12.4.16
Descobrindo o que é ter vida espiritual
Desde criança tinha uma curiosidade nata sobre minhas origens, queria saber de onde eu vim, pra onde ia, o que que estou fazendo aqui. Tive uma infância difícil e traumática, não gostava de viver, achava a vida injusta. Estudava em colégio de freira e ouvia dizer de Deus, 'Você é filha de Deus', 'Jesus te ama!', 'Você tem um propósito na vida.' 'Deus é justo e bom!' Ouvia isso tudo e pensava ainda mais indignada 'Cadê Deus quando sofro abuso dentro de casa?' Crescer com essa dicotomia por dentro não foi fácil, não fazia sentido.
Então, desde cedo queria entender a mente de Deus. Estudei várias religiões, espiritismo, catolicismo, budismo japonês, budismo tibetano, vaishnavismo e várias religiões hindus. Fiz faculdade de Física achando que entenderia a mente de Deus dessa forma, já que a física é a ciência da natureza - filosofia natural. Estudei filósofos, segui mestres espirituais de diversas épocas e linhagens... nada, nem ninguém me fez ver ou entender Deus.
Já cheguei ao ponto de enlouquecer, oscilei entre o fundo do poço da depressão por não querer viver essa vida, e o êxtase dos transes em meditação. Tentei me matar, fugi do mundo o máximo que podia. Não queria trabalhar, nem queria nada do mundo. Quanto mais buscava essa iluminação espiritual, mais vivia um céu em solidão no tapete de meditação, e um inferno toda vez que tinha que lidar com as questões do mundo, pagar conta, trabalhar, até mesmo conversar com as pessoas era um inferno.
Depois de fazer um retiro de silêncio por 10 dias no sítio do meu mestre, eu não queria ir embora, foi maravilhosa a experiência, a sutileza do silêncio, a energia. Quando chegou o dia de voltar, eu implorei pra ficar lá! Pedi pelo amor de Deus, disse que trabalharia no que fosse necessário no sítio. A moça da organização do evento amorosamente fechou os olhos e disse meditativa: "Confia que o que te trouxe até aqui e te fez ter essa maravilhosa experiência, está te guiando para a experiência na cidade grande, antes de você retornar para suas atividades cotidianas. Assim você poderá perceber que essa paz que você sentiu aqui está em você, caso contrário, você sempre vai achar que essa paz você sentiu porque estava aqui junto ao mestre, mas na verdade, essa paz é sua."
Isso me abateu na hora, mas depois me abriu os olhos e coração para o verdadeiro caminho. É muito confortável viver o contentamento no silêncio e meditação, esse é o grande erro da maioria dos buscadores espirituais. Queremos abandonar a vida material, abandonar nossas responsabilidades, e o ego e a mente gritam, esperneiam, e sofremos o inferno quando somos forçados a 'voltar para a realidade.' Entendi, assim, que o verdadeiro nirvana é mental; é ser capaz de permanecer em meditação e contentamento no meio do turbilhão da vida. Se suportarmos com mente equânime esse inferno que vivemos quando caímos do céu, aí estamos liberados.
Nesse caminho de ascenção, todos repetem que temos que nos espiritualizar, cultivar as energias superiores, desapegar do mundo. Com isso, trabalhei somente com os 2 chakras superiores, e descuidei de todos os outros. Minha vida desandou, perdi o chão, não conseguia sobreviver no mundo e sustentar meu corpo, perdi a capacidade de me relacionar de maneira saudável com as pessoas, perdi o meu poder pessoal e auto-estima, desrespeitei meu coração e não tive amor próprio, e não tinha voz para me expressar de forma efetiva. Engoli sapo a vida toda!
Com minhas experiências aprendi que ter vida espiritual não é abandonar o corpo, as pessoas, e minhas responsabilidades no mundo. Nós temos um corpo, ele é nossa casa, ele é nosso veículo de atuação nesse mundo. Aprendi que tenho que trabalhar para manter esse corpo e suas funções físicas, psíquicas, emocionais, mentais e sociais. Sim, estamos em sociedade e não vivemos sem ela!! Ninguém é independente de ninguém, a não ser que tenha seu próprio pedaço de terra, plante tudo o que come, e beba do rio, faça suas próprias roupas e casa e ferramentas, e viva assim como um lobo do mato.
Aprendi que desapego e renúncia, não é passar fome e morar o templo ou na rua, ou depender dos outros a vida toda. Não é odiar o dinheiro, e a comida, e o sexo. Desapego é usar de todas as coisas e não ser possuído por nada. Tudo é isso energia, tudo isso é natural, faz parte da vida. A natureza, a vida não é boa nem ruim, ela é! O corpo é o seu milagre sagrado, ame e cuide dele! O corpo é a sua natureza humana. A árvore para alcançar os céus deve descer até as profundezas da terra para se firmar e se nutrir.
Aprendi que ter vida espiritual não é negar a natureza, e nem a vida, nem a humanidade que temos. O ser humano deve crescer infinitamente, no céu e na terra, em todas suas potencialidades.
Aprendi que Deus, todos os deuses de todas as religiões, os anjos, os santos, os demônios, os heróis e anti-heróis são todos aspectos de mim mesma. São forças que vivem em mim, na natureza e em todos os seres. São arquétipos, ideias puras de uma energia que flui infinitamente. As religiões são mitos que me apontam para a Verdade - Eu Sou! Eu sou o que sou, o Universo se cria e se anima diante de mim. Eu sou a presença que habita meu coração.
Ouvimos as pessoas repetindo mantras, e filosofias, e citações, e ensinando técnicas pelo mundo todo. Já fiz de tudo, repeti de tudo isso, e vejo que nada adianta se não temos a experiência direta. Nenhuma resposta irá satisfazer a mente e cessar a busca, somente a experiência, o ser e estar e agir aqui, agora.
Hoje já não fujo da vida, eu sou parte dela. Agora, despertei minha intuição e sigo meu coração. O que não toca meu coração, eu dispenso. Não quero mais entender Deus, ou a natureza, ou a vida, ou o universo. Eu sou parte de tudo isso.
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