11.11.23

Perdoar pessoa abusiva não é obrigação


 


Hoje quero falar de uma assunto muito difícil. Perdoar... Quem sou eu pra falar disso? Por acaso sou madre ou pastora? Não sou, mas sou uma pessoa que foi muito maltrada e abusada pela própria família desde a infância. 

Não aprendi a confiar nas pessoas porque não podia confiar nem na minha família. Tive que me criar depois de adulta com experiência de pessoas e famílias saudáveis, e muita terapia. 

Uma das maiores dificuldades de escapar dos abusos repetitivos era justamente o discurso dos amigos, da família e da própria igreja me dizendo para perdoar. "Eles são sua família! Releva. estão fazendo o melhor que podem." 

Essa frase seria boa justificativa para pessoas mental e emocionalmente saudáveis, que não abusam nem maltratam os filhos e parentes. Mas para mentes doentes, isso é botar lenha na fogueira do abuso, e mandar a vítima ficar quieta, esquecer o que o abusador fez e voltar a conviver com eles como se nada tivesse acontecido. 

Ler essa informação vai ser muito desconfortável para a maioria das pessoas. Mas é a verdade. 

Se você ama alguém que diz estar sendo maltratado, sofrendo abusos emocionais, ou mesmo físicos, ouça essa pessoa com atenção. Acredite nela, pergunte se pode fazer algo para ajudar. Tudo o que essa pessoa precisa é de apoio. 

Infelizmente, nossa cultura foi treinada a ignorar os abusos e mals tratos "para não se comprometer e sofrer as consequências". E por isso, as vítimas tem muito medo de dizer o que passam, o que sentem. E quando finalmente dizem, acabam ouvindo coisas estúpidas do tipo "o que você fez pra ele te tratar assim?", "por que você não sai de casa?", "ah, mas são sua família, você tem que perdoar"... 

Não, a vítima não precisa fazer nada para o abusador a maltratar. O abusador escolhe a dedo pessoas dóceis e sensíveis, que irão ficar quieta, que não vão revidar, que não vão pedir ajuda. E na maioria das vezes o abusador é uma pessoa maravilhosa na sociedade, ótimo patrão/empregado, bom no trabalho, nas amizades... mas é carrasco dentro de casa. 

Além disso, a vítima muitas vezes é totalmente dependente do abusador. Muitas vezes tem filhos juntos, ou depende financeiramente, tem "complicações" que tornam o processo de separação difícil. E por isso a pessoa não pode ainda sair de casa. 

E por fim, perdão é para quem pede perdão. Pra quem reconhece o erro, e tenta reparar o dano. Abusador nunca reconhece o erro, muito pelo contrário, diz que maltrata porque é culpa da vítima... diz que a vítima é que é ignorante, é feia, amargurada, é burra, é pobre demais. Mas lembre-se que ninguém consegue florescer e ser feliz ao lado de um abusador. Pode até ser que quando a relação começou a vítima fosse uma pessoa alegre, confiante, de bem com a vida, produtiva, mas com o passar do tempo o abusador foi minando toda a força de vida dessa pessoa, que fica depressiva e insegura. 

Perdão não é obrigação. Imagina que o seu chefe fosse abusivo com seu parceiro de projetos e o humilhasse na frente de toda empresa. Você diria pro seu colega perdoar, esquecer e voltar a trabalhar? Ou você apoiaria seu parceiro a pedir demissão, e talvez até quisesse processar esse chefe pelos mals tratos? 

E se um policial parasse seu amigo no meio da rua pra uma blitz, e desse um soco na cara dele do nada, sem motivo algum. Você perguntaria o que seu amigo fez pra apanhar, e falaria pra ele perdoar o policial porque ele devia estar fora de si...? Ou escutaria a história acreditando que seu amigo não fez nada, e reconheceria que esse policial foi abusivo?

Percebe que é fácil saber o que fazer e dizer quando temos situações mais objetivas. E que o problema é quando essas pessoas abusivas são o chefe da igreja, o pai, a mãe, etc? 

Não se deixe enganar pelas relações de parentesco e relações religiosas. Existem pessoas abusivas e más em todos os níveis da sociedade. Covardes, manipuladores, assassinos e estupradores tiveram pais e mães, e muitos também são pais e mães. E imagine o inferno que os filhos de covardes, manipuladores, assassinos e estupradores vivem. 

Não temos que perdoar. Temos que proteger as vítimas e responsabilizar os abusadores. 

Se você teve uma família saudável, você não sabe o inferno que é ter pais abusivos. Não julgue a vítima, não a culpe, não peça para ela perdoar. Apenas ouça. Muitas vezes tudo que a vítima precisa é alguém que acredite nela, que ouça suas histórias, e apoie o processo de separação do abusador. 

Seja um bom amigo!